Toda relação sofre desgastes. Não importa se é entre um casal, entre amigos ou até mesmo entre um time que trabalha junto no dia a dia. Quando indivíduos diferentes se juntam, a tendência é que as diferenças em suas crenças e abordagens criem pequenos atritos, que, se não forem endereçados, podem gerar grandes problemas. Por isso, é importante estar constantemente discutindo a relação. Não de um jeito pejorativo, no estilo de uma briga, mas sim de forma propositiva, buscando que a relação que se forma entre os indivíduos esteja em constante evolução.
É por isso que no universo do desenvolvimento de software ágil existe uma cerimônia que é uma das minhas preferidas: a retrospectiva (ou retro para os íntimos). Essa cerimônia tem como objetivo garantir que o time comemore as pequenas vitórias, mas também não deixe de ter conversas difíceis. Assim é possível manter a melhoria contínua, tanto nas relações interpessoais quanto nos processos que geram os entregáveis técnicos do time. Para isso, nessa reunião, discutimos o que foi bem no último período, o que não foi bem e quais ações precisam ser tomadas.
A magia da retro é que ela não visa discutir as pessoas ou ser um apanhado de reclamações, mas sim discutir as ações tomadas e pensar em melhorias. Como destacou Norm Kerth, no seu livro Project Retrospectives: A Handbook for Team Reviews, a diretiva primária das retrospectivas é: “Independentemente do que descobrimos, nós entendemos e realmente acreditamos que todos fizeram o melhor trabalho que poderiam, dado o que era conhecido na época, suas habilidades e competências, os recursos disponíveis, bem como a situação em questão.”
Encaramos a retrospectiva sem julgar o outro, acreditamos que todos fizeram o melhor que podiam e com base nisso discutimos como podemos melhorar daqui pra frente. Essa abordagem gera segurança no time, que se sente à vontade tanto para reconhecer onde poderiam ter agido melhor quanto para sugerir pontos de melhoria para outros membros do time.
E é nesse espaço de abertura que a melhoria contínua acontece. Quando as pessoas se sentem seguras, elas dão o primeiro passo que leva em direção a mudança: reconhecer seus erros. Ninguém muda se não reconhece que errou, tanto individualmente quanto coletivamente. Porém, ninguém irá reconhecer seus erros se não se sentir seguro para fazer isso. Por isso a retrospectiva se torna uma cerimônia fundamental para criar o ambiente correto para o time se sentir seguro, reconhecer seus erros e assim manter-se em constante evolução.
Como todas as práticas que são utilizadas no universo de desenvolvimento de software ágil, elas podem ser adaptadas para outros contextos, desde que se entenda sua essência. Na nav9, utilizamos essa cerimônia, e o pensamento ágil em geral, em todas as áreas da empresa. Por exemplo, na área de people, uma das áreas que sou responsável, tenho mantido a rotina de realizar ao menos uma retro por mês com o time. Para isso, separamos duas horas onde paramos todo o time para refletir sobre o que devemos destacar do mês anterior, o que devemos discutir e quais ações devemos priorizar para gerar melhorias para o próximo mês. Com base nessa discussão, revisitamos nossas prioridades do planejamento estratégico e adaptamos nosso planejamento, para que consigamos executar tanto as atividades previamente estabelecidas quanto essas novas atividades de melhoria contínua, para garantir que o time performe melhor em busca dos resultados almejados. Com esse espaço de discussão seguro criado, estamos conseguindo ser mais realistas em relação ao que faz sentido perseguir a cada mês.
E você? Será que não poderia tirar proveito de uma retro com seu time também? Tenho certeza que se você tirar um tempo para analisar o seu dia a dia e os problemas que está enfrentando, com certeza verá que pode ter muito benefício com uma retro. E para começar, pode ser algo simples. Separe 1 hora com seu time, sendo 15 minutos iniciais para todos listarem os pontos de discussão e depois use os outros 45 minutos para discutir. Com certeza será uma hora muito bem investida.Quando sugiro para as lideranças que elas façam uma retro, a objeção mais comum que recebo é a falta de tempo. Se você também acredita que não pode parar seu time inteiro por uma hora pois se não as entregas vão atrasar, te deixo com uma frase do Paulo Caroli e do Tainã Caetano no livro FunRetrospectives: "Faça uma retrospectiva por semana, a menos que esteja sem tempo. Nesse caso, faça duas!". Pois se você está sem tempo, é aí mesmo que você precisa de uma retrospectiva, para reorganizar o fluxo de trabalho do time e começar a atingir seus objetivos de forma previsível e organizada.