Qualquer união de duas ou mais pessoas gera uma série de acordos verbais ou não verbais de como é esperado que elas se comportem. Conforme esse grupo vai aumentando, a tendência é que esses valores sejam passados aos novos membros, da mesma forma que novos valores também sejam adicionados, fazendo com que assim todos vivam sob essas regras. Dentro de empresas, chamamos isso de cultura organizacional.
Está em alta nos últimos anos falar de cultura e do quão importante é cuidar dela dentro da empresa. Porém, sinto que às vezes esse termo tomou uma proporção quase mística, como se fosse algo muito difícil de ser definido. E quanto mais difícil algo é de definir, mais difícil será agir sobre. Por isso, encaro a cultura de uma forma simples: é "o jeito que fazemos as coisas por aqui".
Quando penso nisso, logo me vem um exemplo simples para exemplificar o que significa, o qual vivenciei na transição entre as duas escolas que estudei durante minha educação básica. A primeira escola que estudei era uma instituição onde o professor tinha o papel de guiar o aluno pelo processo de educação, sempre próximo, cobrando a execução dos deveres de casa e intercedendo ao ponto de mudar o lugar onde eu sentava na sala de aula se achasse que eu estava sendo atrapalhado ou atrapalhando quem sentava ao meu redor. Isso se traduzia até em pequenos gestos, como por exemplo: quando eu gostaria de ir ao banheiro, precisava levantar a mão, esperar o professor me dar a vez de falar e, só então, perguntar se eu poderia ir ao banheiro. Caso o professor achasse que aquele era um momento adequado, me liberava para ir, se não, fazia eu esperar um momento que na visão dele fosse melhor.
Foram 8 anos estudando nessa primeira escola e quando mudei para outra o choque cultural foi bem grande. A nova instituição era um lugar onde eu tinha muito mais autonomia, onde o esperado era que eu conduzisse meu processo de aprendizagem e utilizasse a figura do professor muito mais como a de um mentor. Ele estava sempre disponível para me ajudar, porém, o esperado era que eu fosse atrás dele quando eu sentisse que era necessário, e não o contrário. Mas ninguém me avisou isso quando entrei na escola, foi algo que eu tive que descobrir por conta própria. Por essa razão, um dos grandes momentos de impacto foi logo nos primeiros dias de aula. Eu levantei a mão e pedi para ir ao banheiro e, tanto o professor quanto os outros alunos, ficaram me olhando estranho. Depois, eu descobri que ali ninguém precisa pedir permissão para sair da sala de aula, poderia sair no momento que achasse mais adequado, mas também deveria arcar com as consequências de perder alguma parte importante da matéria enquanto estava fora.
Mesmo que ninguém tenha me ensinado de maneira formal como me portar na segunda escola, fui aprendendo por conta própria. Fui entendendo o jeito que as outras pessoas agiam por ali e comecei a me adaptar também com base nisso. Trazendo esse paralelo para as empresas, é o mesmo que acontece quando novas pessoas entram para o time. Por mais que a empresa possua um processo de treinamento inicial bem definido, que diga para os novos membros exatamente o que é esperado em relação ao comportamento deles, esses comportamentos não irão durar se não estiverem alinhados à cultura da empresa. A pessoa até pode executar o que foi ensinada por algum tempo, mas com o passar do tempo o jeito que ela irá agir será o jeito que todos agem no dia a dia.
Não adianta estar escrito no processo de onboarding que a pontualidade e o cumprimento dos prazos estabelecidos são valores que a empresa busca, se no dia a dia todos chegam atrasados e constantemente os prazos de entrega são renegociados. Não adianta estar escrito nos valores da empresa que "o cliente vem em primeiro lugar", se no dia a dia todos reclamam do cliente o tempo todo. Em pouco tempo a nova pessoa passará a repetir esses hábitos, chegando atrasada, renegociando prazos e reclamando do cliente. É por isso também que gosto de descrever a cultura como um gerente invisível. Afinal, ela irá ditar o que é aceito e o que não é aceito dentro da organização, fazendo com que esse seja o padrão de comportamento das pessoas que ali estão.
Então, se todos vamos ter esse gerente andando por nossa empresa, não é melhor que a gente defina qual será o comportamento dele? Ninguém contrataria um gerente para comandar a empresa toda sem passar por um processo minucioso de inspeção de currículo, uma série de entrevistas e talvez até um teste prático para ver como ele se sai no dia a dia. Mas, mesmo assim, muitas pessoas deixam a cultura desatendida.
Independente da nossa vontade, esse gerente irá existir, então, o melhor que podemos fazer é tentar moldar como ele se comportará no dia a dia. O melhor momento de definir quem ele será é no início da organização, quando ainda são poucas pessoas e é mais fácil alinhar o que é esperado. Não precisa ser nada muito mirabolante, pode ser algo como uma lista de 5 valores os quais se espera que todos sigam dentro da empresa. Tão importante quanto definir quais serão esses valores é reforçar e cobrar a execução deles pelo time de forma constante, com a liderança agindo como exemplo.
Mas não é porque uma empresa não iniciou com essa preocupação com a cultura que esse cenário não pode ser revertido, porém, será um processo mais lento e que exigirá paciência. Por mais que não se cuide da cultura, ela já existe de uma maneira informal e já existem valores e práticas que são passados entre as pessoas da organização. Como qualquer processo de gestão de mudança, é importante entender qual o estado atual da situação, entendendo quais os valores são praticados pelo time diariamente, buscando entender qual é "o jeito que as coisas são feitas por aqui". A partir disso, analisar se a cultura atual é o que as lideranças esperam para empresa, e, caso não seja, definir então quais valores serão mantidos e quais passarão a ser perseguidos, começando um processo gradual de implementação.
Independente do tempo de existência da empresa, o mais importante, na minha visão, é trazer as discussões sobre a cultura da empresa para o dia a dia das pessoas. Afinal, para que os valores sejam realmente praticados, é necessário que eles sejam discutidos. Para que as pessoas entendam como esperamos que elas hajam, precisamos estar constantemente mostrando isso para elas.
Essas discussões se fazem fundamentais porque a cultura da empresa pode ser o principal propulsor da organização ou então um freio de mão. Não adianta traçarmos planos voltados para inovação ou para o crescimento se a cultura atual da empresa é de acomodação e medo da incerteza. Como já diria Peter Drucker "a cultura come a estratégia no café da manhã", logo, se queremos evoluir como negócio, precisamos ter a ciência de que é necessário alinhar a nossa estratégia à cultura atual da empresa ou então, junto da definição estratégica, já se preparar para as mudanças culturais que serão necessárias.